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Vinte e cinco de janeiro de 2019, 12h28. Foi nesse momento que a vida dos quase 40 mil habitantes do município de Brumadinho (MG) foi completamente transformada. Nesse dia, o Brasil assistiu a barragem na mina Córrego do Feijão se romper, matando ao menos 270 pessoas. Até hoje, onze ainda estão desaparecidas. Desde então, Josiana Resende, 32 anos, amarga a perda da irmã, Juliana, e do cunhado Denis. Na tragédia, o casal deixou órfão um casal de gêmeos, que tinha apenas dez meses na época – hoje, é Josiana que ajuda na criação dos bebês e mantém viva a memória dos pais. 

“A cidade mudou completamente. Nos primeiros dias, parecia cena de guerra. Tudo muito tumultuado, as pessoas procurando por seus familiares que estavam desaparecidos, na esperança de encontrá-los ainda com vida”, lembra a técnica de enfermagem, com voz embargada. “Mas a dimensão da tragédia-crime ninguém tinha, até que as pessoas foram entendendo melhor o que aconteceu”, diz.

Josiane perdeu ainda vários amigos naquele dia – ela era funcionária da Vale, mineradora estatal responsável pela barragem. “Eu trabalhava no posto de saúde da mina e perdi praticamente a equipe toda. Como eu trabalhava de plantão, eu não estava lá. Por isso estou viva hoje”, emociona-se. No momento da ruptura, mais de 400 funcionários da companhia trabalhavam no local. “É esse o sentimento que fica, de confiança quebrada, de ter sido traída pela empresa.”  

Apesar do sentimento constante de luto, Josiane ainda tem esperança. “Espero que o governo dê o apoio que a gente precisa e que as leis se tornem mais rígidas, ou que pelo menos a fiscalização seja mais eficaz para que outras famílias não passem pelo que estamos passando hoje. Tem que melhorar mesmo.”  

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Como uma tentativa de resposta ao rompimento em Brumadinho, em 2019, e em Mariana (MG), em 2015 (que matou quase 20 pessoas, sendo o maior desastre ambiental até então), um projeto de lei que institui a Lei de Segurança das Barragens (PL 550/2019) pode ganhar fôlego no Senado. Proposto pela senadora Leila Barros (PSB-DF), o texto estabelece maior controle sobre as barragens e endurece penas em caso de crimes ambientais, prevendo infrações e sanções que a lei que estabelece a Política Nacional de Segurança das Barragens (PNSB – Lei nº. 12.334/2010) não apresenta. 

Entre as medidas previstas pelo PL original, estão a alteração de alguns conceitos, como os de barragem e de quem pode ser o empreendedor da barragem, e o acréscimo de mais “etapas” antes, durante e depois da obra, como ouvir órgãos de proteção e defesa civil e a população da área parcialmente afetada na elaboração do Plano de Ação de Emergência (PAE), para definir medidas de segurança e procedimentos de evacuação em caso de emergência. 

Outra mudança sugerida pelo texto do Senado é a obrigação de o órgão fiscalizado exigir do empreendedor da obra a contratação de seguro ou apresentação de garantia financeira para a cobertura de danos a terceiros e ao meio ambiente, em caso de acidente ou desastre nas barragens. 

“Nós não vamos amenizar o sofrimento, a dor daqueles que perderam seus entes queridos nessas tragédias, mas estamos respondendo a toda sociedade, a todos que ficaram chocados e estarrecidos com as cenas de violência e destruição a que assistimos”, comenta a autora do projeto, Leila Barros. 

O texto passou pela avaliação dos deputados federais e, em maio deste ano, retornou ao Senado. A Câmara dos deputados fez acréscimos – afrouxando algumas medidas, endurecendo outras. Uma das propostas da Casa, talvez a mais significativa, é a proibição de construir novas barragens pelo método de alteamento a montante, que é quando se forma uma espécie de escada cujos degraus são feitos a partir dos rejeitos da mineração – semelhante ao modelo operado nas barragens rompidas em MG. Essa previsão, considerada mais severa, não está no texto original da senadora Leila Barros.

Hoje, 68 barragens operam dessa forma, segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) – mais da metade em Minas Gerais. O prazo para que as que ainda operam nesses moldes sejam descaracterizadas vai até 2027, dependendo da capacidade, como determina a Resolução 13 da autarquia.  

A Agência mostra também outro dado preocupante: atualmente, são 838 barragens com algum nível de risco – 738 são classificadas como “sem emergência”, 39 estão no “nível 1”, seis no “nível 2” e quatro no “nível 3”, sendo esse último o nível com maior potencial de danos e risco de rompimento. Dessas, três são operadas pela mineradora estatal Vale e todas estão localizadas no estado mineiro.

Barragens em MG

Minas Gerais é o estado com o maior número de barragens (das 838 obras, 364 estão concentradas na unidade federativa). Ainda restam, na unidade federativa, 49 obras de alteamento a montante, nos moldes das barragens rompidas em Mariana e Brumadinho. Segundo a ANM, a fiscalização é feita por meio de relatório preenchido pelas próprias mineradoras e disponibilizado para a Agência.

Ouro Preto (MG) é um dos municípios com maior número de barragens em risco iminente (níveis 2 e 3). No final de junho, segundo informações da prefeitura local, a Vale (responsável pela operação da maior parte das barragens) entregou a primeira remessa de materiais para incremento dos recursos que serão utilizados para atender as comunidades, como equipamentos de proteção individual (capacetes resgate, óculos, capuz de segurança), ferramentas, mantas e colchões, entre outros. Esses equipamentos, destinados à Defesa Civil do município, serão aplicados em ações de rotina e salvamento. 

Já no município de Rio Acima (MG), existe um plano de ação traçado, que foi elaborado logo após o rompimento da barragem na mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho. Atualmente, o município conta com oito barragens, sendo três na categoria de risco nível 1. 

De acordo com o coordenador municipal de Proteção e Defesa Civil da cidade, Márcio Eduardo, uma delas está passando por reforço para ser descaracterizada, por se tratar de barragem pelo método de alteamento a montante, e outra está em fase final desse procedimento. 

“O município de Rio Acima trabalha com um Plano de Ação de Emergência das Barragens de Mineração (PAEBM). Nesse documento, temos todas as etapas do que deve ser feito em possível rompimento de barragem”, adianta. O PAEBM é um documento técnico que deve ser elaborado pelo empreendedor da obra de barragem, no qual estão identificadas as situações que possam colocar em risco a integridade da barragem, além de estabelecer ações para minimizar os danos com perdas de vida, às propriedades e às comunidades próximas à barragem. 

Texto na Câmara

O texto aprovado na Câmara dos Deputados modifica algumas propostas do texto original, proposto pela senadora Leila Barros. Os deputados federais alteraram algumas punições em caso de danos causados por acidente, incidente ou desastre com as obras. Em alguns deles, os deputados endureceram as sanções, como embargo da obra ou da atividade (no texto do Senado, esse embargo pode ser provisório), demolição da obra e apreensão de minérios, bens e equipamentos, entre outros. 

Outra regra mais severa versa sobre multa. O valor sugerido pelos deputados federais é superior ao sugerido pelos senadores – pode variar de R$ 2 mil até R$ 1 bilhão. O texto também lista mais obrigações às construtoras, como a atualização periódica do plano de segurança para a obra, e a obrigatoriedade de a empresa notificar a Defesa Civil ao observar qualquer alteração nas barragens, além da criação de uma zona de salvamento, de segurança secundária e de um mapa de inundação. 

Porém, a obrigação de as barragens de alto risco contratarem seguro contra desastres ambientais foi retirada do texto aprovado pelos deputados federais. O senador Carlos Viana (PSD-MG), em sessão virtual, afirmou ter muito respeito pelo trabalho dos deputados, mas foi enfático ao lembrar que o Senado é a casa de origem do projeto. “Nós deveremos, sim, rediscutir os pontos importantes e manter as mudanças que a gente entenda que estejam equilibradas para o País.” 

A autora do projeto defende também a publicidade dos relatórios de fiscalização das empresas responsáveis pelas obras e o monitoramento em tempo real da estabilidade da barragem, utilizando o acionamento automático de sirenes, rotas de fugas e alarmes em caso de acidente – o que não foi apreciado pela Câmara dos Deputados. “Isso para evitar o que ocorreu em Brumadinho e Mariana, onde a população não recebeu o alerta de evacuação das áreas atingidas”, lembra Leila Barros. 

O diretor de Relações Institucionais do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Rinaldo Mancin, reforça a avaliação da senadora. “Sem dúvidas, os avanços dessa instrumentação e dos alertas são fatores que reforçam a segurança e, numa eventual emergência, o acionamento desses alarmes podem mobilizar a comunidade a ser evacuada”, pontua. 

Na opinião do diretor, no entanto, o projeto pode gerar alguns custos adicionais ao setor de mineração. “Descaracterizar uma barragem a montante é algo pouco testado ainda no mundo, diferentemente de uma barragem de água, em que você pode abrir a ‘torneirinha’ e deixar a água ir embora devagar. No nosso caso, estamos falando de rejeitos, que, em alguns casos, podem ser até tóxicos. Vamos ter que passar por uma profunda reformulação de como construir barragens”, reflete.

Apesar disso, Mancin elogia o projeto. “O PL é positivo para a sociedade brasileira e para a mineração. O setor se mostra convergente com a última versão, aprovada pela Câmara dos Deputados, e a nossa expectativa é que sejam mantidos os termos aprovados pelos deputados.”

O diretor da Agência Nacional de Mineração, Eduardo Leão, reforça outro ponto importante, na opinião dele, em relação ao projeto vindo da Câmara. Esse texto faz a menção ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, acrescentando um inciso ao artigo 5º da lei original (Lei 7.797/1989).  

Caso aprovado, o artigo em questão, que trata das áreas onde serão consideradas prioritárias as aplicações de recursos financeiros, fica acrescido de “recuperação de áreas degradadas por acidentes ou desastres ambientais”. “Faltava realmente essa base legal. O PL ajuda bastante na nossa atuação para descaracterização, contingenciamento e atuação em emergências com barragens”, destaca. 

Atribuições da ANA

O superintendente de Fiscalização da Agência Nacional de Águas (ANA), Alan Lopes, esclarece que as barragens rompidas em Minas Gerais eram de contenção de rejeitos de mineração. A responsabilidade pela segurança das barragens de Mariana e Brumadinho era das empreendedoras (Samarco e Vale, respectivamente) e a fiscalização da segurança, nesses casos, é da ANM. 

“No caso de barragem de cumulação de água para diferentes usos, como irrigação e abastecimento público, a responsabilidade de fiscalização é da ANA em rios da União”, diferencia. Ele reforça que a prefeitura não tem atribuição de fiscalizar as barragens, mas pode ser responsável por barramentos em que atua como empreendedora. 

“Nesse caso, elas têm várias obrigações perante a lei para evitar acidentes. Ela precisa elaborar plano de segurança de barragem, efetuar inspeções periódicas, executar inspeções especiais em casos de anomalias e fazer revisão periódica das barragens, reavaliando os projetos iniciais”, elenca. Em caso de dano potencial alto, Alan Lopes acrescenta que a prefeitura pode ser obrigada a ter um Plano de Ação Emergencial (PAE). 

Outra atribuição da prefeitura relacionada a barragens, prevista em outra lei, é a de que municípios precisam organizar e estruturar órgãos de defesa civil e elaborar planos de contingência para eventuais acidentes em barragens. “Essa é uma deficiência grande em vários locais do País, mas é muito importante que os municípios estejam preparados para atender a população e minimizar os dados de um eventual acidente, mesmo que isso seja responsabilidade do empreendedor. É importante ter implementado esse plano em cada prefeitura”, ressalta. 

As barragens que não atenderem aos requisitos de segurança, mesmo que sejam de acumulação de água, devem ser desativadas. “As prefeituras também devem estar atentas a isso”, conclui. 

A Agência Nacional de Águas (ANA), segundo a Política Nacional de Segurança das Barragens (PNSB), cria regras para a acumulação de água, de resíduos industriais e a disposição final ou temporária de rejeitos. A estatal é responsável, também, por organizar, implantar e gerir o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens (SNISB) e receber denúncias dos demais órgãos ou entidades fiscalizadores sobre qualquer não conformidade que implique em risco imediato à segurança ou qualquer acidente ocorrido nas barragens, entre outros.

Reparos 

A geógrafa e moradora de Brumadinho Alexandra Andrade Costa, de 39 anos, também foi uma das vítimas da tragédia-crime da Vale, como é conhecido o episódio em MG. Ela conta que, no desastre, perdeu o irmão mais velho, que “era como um segundo pai”, um primo muito próximo e mais de 70 pessoas amigas e conhecidas.

“É lamentável a situação ocorrida em nossa cidade. O município mudou muito – para pior. Antes, era conhecido por suas belezas naturais, pelo turismo e pelo maior museu a céu aberto da América Latina. Hoje, é lembrada pela tragédia-crime da Vale”, lamenta.

Ela conta que a população aumentou muito após o ocorrido por causa do pagamento do auxílio emergencial. O benefício se estendeu a pessoas que moravam, até 25 de janeiro, a até um quilômetro da calha do Rio Paraopeba até a cidade de Pompéu. Para Alexandra, isso abalou ainda mais os nativos. “Antes morávamos em uma cidade tranquila e, de uma hora para outra, ela se transformou todinha. Perdeu a característica de lugar tranquilo. O trânsito ficou horrível, filas enormes em bancos, supermercados, lotéricas. Familiares desolados tentam retomar as vidas, mas sem saber como e por onde começar”, relata Alexandra.

Nessa segunda-feira (6), o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, esteve em Minas Gerais e assinou o Acordo de Multa Ambiental, em conjunto com a mineradora Vale, na Cidade Administrativa do governo mineiro, em Belo Horizonte.  O ato, segundo Salles, teve o objetivo de destinar o valor das multas decorrentes dos danos causados pelo rompimento em Brumadinho a ações ambientais no estado. 

Durante o ato, o ministro frisou que a aplicação da multa de R$ 250 milhões foi uma das primeiras medidas tomadas pelo governo na época da ruptura. O anúncio, feito hoje, é para que essa multa seja revertida em investimentos para sete parques nacionais do estado, já que, na avaliação dele, o turismo é uma das pautas de interesse do governo. 

“Isso vai arrumar os parques e deixar em condições de visitação, com toda infraestrutura necessária, além de investir em treinamento de pessoas e na geração de empregos”, disse o ministro em coletiva. O primeiro montante, de R$ 150 milhões, será aplicado em até três anos.

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